quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O SUS e as transferências de recursos da União para Estados e Municípios e o principio da solidariedade na prestação de serviços de saúde

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Por Lenir Santos[1]

Quinta-Feira, 12 de novembro de 2015

Diversos e muitos são os problemas do SUS. Contudo, dois deles precisam ser pensados em razão dos graves males que causam à gestão do SUS. São dois problemas que se interligam. Um deles é a transferência de recursos da União para Estados e Municípios e o outro, a decisão do STF de que todos os entes federativos são solidários na prestação de serviços de saúde à população, independentemente de seu porte demográfico e econômico.

O primeiro deles, o da transferência de recursos da União para os Estados e Municípios, é a decisão do STF de que recursos federais, mesmo quando repassados a estados e município, continuam federais e devem ser fiscalizados pela esfera federal – controle interno, a Controladoria da União e a auditoria do SUS – e o controle externo, o Tribunal de Contas da União (TCU). 

Isso significa dizer que repassados os recursos, esses recursos continuam federais e devem ser fiscalizados pela União. Eles não integram os recursos dos entes federativos recebedores, e por isso, não devem ser fiscalizados pelos seus sistemas de controle interno e externo.

Associando esse fato – controle federal – com as determinações do Ministério da Saúde no uso do dinheiro transferido, sempre sob a forma de incentivos a programas federais, ou seja, por adesão a esse ou aquele programa, os gestores do SUS passam a ter que cumprir as determinações federais sem a possibilidade de poder gerir seu plano de saúde, fruto de discussão e aprovação do conselho de saúde e que deve ser o espelho das necessidades de saúde do município ou da região ou do estado.

Essa forma de repasse de recursos e a decisão de que o recurso federal não perde sua coloração quando adentra o orçamento estadual ou municipal mitiga a autonomia do gestor da saúde na condução do seu sistema, de acordo com o planejamento local, regional e estadual. 

A definição, nos mínimos detalhes, do gasto dos recursos federais da saúde transforma o SUS num grande convenio, ferindo o planejamento ascendente ou integrado, uma vez que as determinações são prévias ao planejamento; serão elas que irão definir o planejamento da saúde no nível estadual e municipal.

E o auditor do SUS e a Controladoria da União, passam a controlar o gasto da saúde minuciosamente, não de acordo com o plano de saúde – base de todas as despesas de saúde de acordo com a lei – mas sim de acordo com o definido nas portarias que dispõem sobre os incentivos a este ou aquele programa.

O segundo ponto – a solidariedade dos entes federativos na prestação dos serviços de saúde – é outro problema grave, diante da grande diversidade demográfica, econômica do nosso país. 70% dos municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes. 

E o nosso sistema de saúde é um sistema hierarquizado em termos de complexidade de serviços, cabendo a determinados entes federativos a prestação de serviços de maior ou menor complexidade, sendo impossível pensar em um sistema de saúde que imponha a todos os entes federativos – 5.564 municípios e 27 estados – uma igualdade de prestação de serviços. 

Seria um arrematado absurdo pensar num sistema de igualdade de responsabilidades e obrigações, quando os mesmos são totalmente diferenciados em população, renda, desenvolvimento econômico etc. e na própria responsabilidade com a prestação de serviços.

Esses dois pontos estão apenas sendo lançados neste post para uma reflexão, devendo ser objeto de preocupação e estar nas agendas dos pensadores, especialistas e gestores da saúde por serem problemas que afetam gravemente o modelo de saúde concebido constitucionalmente.

São problemas que afetam o centro do sistema de saúde que é o seu financiamento e a sua gestão. Podemos falar em um sistema descentralizado, com competências próprias dos entes federativos se grande parte do recurso que o financiam são considerados federais, com definição de sua aplicação pela esfera federal? Será que foi esse o modelo pensado na Reforma Sanitária?

[1]Coordenadora do Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA; Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Sanitário da UNICAMP-IDISA; ex-procuradora da UNICAMP.
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